LITERARY CURATORSHIP IN BAHIA/BRAZIL: AN ANALYSIS OF LITERARY FAIRS AND FESTIVALS AND THE ROLE OF THE LIBRARIAN IN THE FORMATION OF READING PUBLICS

Ester Figueiredo

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5992-0184

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil. Pós-doutorado em Linguística pela Universidade de Brasília (UnB), Brasil. Professora Pleno em Licenciatura em Letras da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Brasil. Professora do Programa de Pós-graduação em Letras: Cultura, Educação e Linguagens; e do Programa de Pós-graduação em Educação da UESB, Brasil.

E-mail: emfsouza@gmail.com

CURADORIA LITERÁRIA NA BAHIA: UMA ANÁLISE DAS FEIRAS E FESTAS LITERÁRIAS E DO PAPEL DO BIBLIOTECÁRIO NA FORMAÇÃO DE PÚBLICOS LEITORES

Bruna Lessa

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4485-203X

Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil. Professora Adjunta do Departamento de Documentação e Informação do Instituto de Ciência da Informação da UFBA, Brasil. Professora do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação (PPGCI/UFBA), Brasil.

E-mail: lessbruna@gmail.com

RESUMO: Este artigo apresenta o tema de curadoria literária a partir da observação de eventos denominados como Feiras e festas literárias. O objetivo é interpretar as condições de formulação e realização desses eventos como espaços de fomento à leitura e à literatura, à luz da biblioteconomia. A metodologia do estudo, de natureza exploratória, contempla a análise documental de relatórios de eventos realizados nos anos de 2016 a 2023 e apreensão de sentidos dos usos do conceito de curadoria literária, obtidos a partir da interpretação de questionários aplicados a curadores. Os resultados destacam a importância da curadoria literária na mediação da leitura, além de revelarem a necessidade de um maior conhecimento sobre literatura e da integração de diferentes expressões artísticas nos eventos. As conclusões apontam para o conceito de curadoria literária como um processo que envolve a análise, seleção e organização de obras literárias, promovendo a interação do público com a literatura. Também destacam a relevância da formação em biblioteconomia para a prática da curadoria, sugerindo que a colaboração entre esses campos pode fortalecer políticas públicas culturais e a promoção da leitura.

PALAVRAS-CHAVE: biblioteconomia; curadoria literária; eventos literários no estado da Bahia; mediação da leitura literária.

ABSTRACT: This article presents the theme of literary curation based on observing events known as literary fairs and festivals. It aims to interpret the conditions under which these events are formulated and realized as spaces for promoting reading and literature, in the light of the field of Librarianship. Exploratory in nature, the study’s methodology includes the documentary analysis of reports on events held between 2016 and 2023, and the apprehension of the meanings of the uses of the concept of literary curation, based on the interpretation of questionnaires applied to curators. The results highlight the importance of literary curation in reading mediation, emphasizing the need for greater knowledge about literature and the integration of different artistic expressions at events. The conclusions point to the concept of literary curation as a process that involves the analysis, selection, and organization of literary works, promoting public interaction with literature, and the relevance of library science training for the practice of curation, suggesting that collaboration between these fields can strengthen cultural public policies and the promotion of reading.

Keywords: Librarianship; literary curatorship; literary events - state of Bahia; literary reading mediation.

1 INTRODUÇÃO

A mediação da leitura envolve ações transdisciplinares e, consequentemente, múltiplos atores. No contexto da biblioteconomia, tem-se a mediação da leitura literária, que, para além dos processos de assimilação do conhecimento humano, envolve práticas como a organização de clubes de leitura, palestras, conversas literárias e outras atividades que deem sentido socioafetivo ao gosto pela leitura, potencializando o diálogo e a formação crítica de sujeitos leitores.

A pessoa bibliotecária que desenvolve o papel de curador de ações culturais em contextos literários deve selecionar e organizar o conteúdo dessas ações de modo a atrair e engajar o público-alvo nesses eventos, a fim de contribuir para uma formação leitora mais diversa, colaborativa e inclusiva.

Com o objetivo de se aproximar da abordagem do conceito de curadoria relacionado às práticas da biblioteconomia, em especial da mediação da leitura, o estudo aqui apresentado é um exercício de interpretação da concepção de curadoria literária no âmbito dos eventos fomentados e financiados pelo governo do estado da Bahia nos anos de 2016 a 2023. Assim, a pergunta norteadora deste estudo é: qual a concepção de curadoria e curadoria literária presentes no discurso e nos projetos de feiras e festas literárias da Rede colaborativa de eventos literários do estado da Bahia?

A partir dessa questão, o objetivo geral do estudo é: interpretar as condições objetivas de formulação e realização de eventos literários da Rede Colaborativa de Feira e Festas Literárias da Bahia como espaço de fomento das políticas do livro, da leitura e da literatura e da formação de um público leitor.

A pesquisa, de natureza exploratória, com abordagem qualitativa, é também caracterizada como descritiva e documental. Como técnica para coleta de dados, fez-se um mapeamento de iniciativas de eventos literários, a fim de analisar a viabilidade dos mecanismos de realização, bem como para identificar equipes gestoras e de curadoria do conteúdo e seu impacto para a formação de um público leitor. O instrumento utilizado nesse processo foi o questionário e teve como colaboradores/respondentes os sujeitos associados ao levantamento de promoção de eventos literários, registrados em enquete de avaliação realizada pelo órgão responsável e que se dispuseram a participar desta pesquisa.

Esta pesquisa se justifica, sobretudo no campo da biblioteconomia, por trazer a reflexão sobre a compreensão da necessidade de incluir técnicas e conceitos do campo da biblioteconomia para a profissionalização e qualificação de curadores de eventos literários, além de registrar experiências em curadoria e curadoria literária.

Ao longo deste estudo, espera-se confirmar que o curador não atua somente em um espaço institucional, como museus ou outro equipamento cultural, ou ainda em uma unidade de informação. Almeja-se mostrar que o papel desse profissional é incentivar a autonomia e que, como um sujeito em constante formação, cabe a ele, além de aplicar técnicas de seleção, interpretação e apropriação de objetos culturais, mediar o contato do público com os valores expressos e conceituais de uma obra/objeto de criação do enquadre curatorial. Nesse sentido, considera-se a pertinência e relevância dos estudos da biblioteconomia para o campo da curadoria literária, principalmente por reconhecer que o percurso de sentidos é uma apropriação subjetiva entre o público e a obra em exposição e/ou envolvimento. Espera-se, ainda, contribuir com a formação de políticas que impulsionem a integração dos serviços bibliotecários em curadoria literária nos municípios, ou com editais de fomento, quando houver, para atender e qualificar programas de leitura e literatura, sobretudo cotejando com as metas e ações do Plano da leitura do estado da Bahia (2016 – 2023).

O artigo está dividido em cinco seções, iniciado por esta introdução, onde se apresenta a temática de estudo e os objetivos a serem alcançados. Em seguida, tem-se a fundamentação teórica, seção em que se busca conceituar e refletir sobre a mediação da leitura e curadoria literária e onde se desenvolve uma abordagem sobre a formação de redes colaborativas para promoção do livro e da leitura no estado da Bahia. Na terceira seção é descrita a metodologia adotada, acompanhada das análises realizadas, com a apresentação das iniciativas identificadas no mapeamento. Por fim, são trazidas as considerações finais e principais projeções futuras deste estudo.

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.1 AS RELAÇÕES DA BIBLIOTECONOMIA COM A CURADORIA LITERÁRIA

Como disciplina do conhecimento científico, a biblioteconomia está para além da integração entre a teoria e práticas de organização de acervos e gestão de bibliotecas, ela, na verdade, coteja o conhecimento como direito e formação humana, por meio da democratização da informação, especialmente, através do acesso ao livro, à leitura e à literatura. As bibliotecas escolares e públicas de alguns municípios baianos, por exemplo, bem como clubes de leitura, absorvem iniciativas de formação de público leitor. Mesmo considerando que o cenário das políticas de leitura requerem melhor qualificação — tanto em formulação de programas quanto na qualificação de profissionais —, as atividades em rede colaborativas de feiras e festas literárias realizadas por essas instituições propendem a gerar experiências e impactar no cumprimento de metas do plano do livro e da leitura.

Os eventos literários podem situar e melhor qualificar as teorias e práticas do campo da biblioteconomia com o objetivo de capacitar seus agentes e de conceber programação voltada para o domínio da leitura, além de dialogar com o campo da literatura e dos letramentos literários. Um dos conceitos presentes nesse campo é o de mediação da informação, definido por Almeida Júnior (2015) como

Toda ação de interferência — realizada em um processo, por um profissional da informação e na ambiência de equipamentos informacionais —, direta ou indireta; consciente ou inconsciente; singular ou plural; individual ou coletiva; visando a apropriação de informação que satisfaça, parcialmente e de maneira momentânea, uma necessidade informacional, gerando conflitos e novas necessidades informacionais (Almeida Junior, 2015, p. 25).

A ideia de mediação da informação, aproximando-a das ações de mediação da leitura é, portanto, um processo que facilita e orienta os sujeitos em suas experiências leitoras, especialmente no contexto da educação literária. Ressalta-se que mediar a leitura não está somente na indicação ou leitura compartilhada de um livro; é favorecer a criatividade e imaginação do leitor, possibilitando a este a compreensão do poder transformador do livro na vida humana.

Por meio da mediação da leitura, as pessoas podem explorar diferentes perspectivas e desenvolver o respeito à autonomia e às interpretações únicas de cada leitor, reconhecendo a pluralidade de significados que podem emergir de um único texto, além da empatia em relação aos pontos de vista dos outros. Como explica Cavalcante (2020, p. 5): “A leitura, portanto, pode propor caminhos por meio da linguagem e da cultura, não subordinada às formas de dominação”.

A leitura, como um dos objetos de estudo da biblioteconomia, permite ampliação de conhecimentos, posiciona o sujeito leitor em uma comunidade leitora e promove a inclusão social. Segundo a Unesco (apud Freitas, 2010, p. 11), os serviços da biblioteca devem ser oferecidos com base na igualdade de acesso para todos, sem distinção de idade, raça, gênero, religião, nacionalidade, língua ou condição social. Essa definição de inclusão, por excelência, mediada por trabalhos de incentivo ao gosto pela leitura, promove o acesso à informação para um número cada vez maior de usuários. Pode-se afirmar, então, que a formação bibliotecária oferta ao profissional mediador da leitura o desenvolvimento de competências e habilidades para potencializar o gosto pela leitura literária, em especial fundamentada nos aportes sobre recepção e no estudo das necessidades informacionais de usuários de bibliotecas, contribuindo na promoção de sujeitos participantes e ativos na própria cultura.

Por esse aspecto, infere-se que a mediação da leitura literária é um processo que busca facilitar o acesso e a compreensão da literatura, promovendo diálogos significativos entre os leitores e os textos. Farias (2022), no âmbito dos estudos sobre literatura comparada, aborda três perspectivas distintas sobre a mediação da leitura literária:

AUTORIA

PERSPECTIVA

ELEMENTOS PRINCIPAIS

Michèle Petit

Mediação como facilitadora da diversidade literária

- Ressaltar a variedade de gêneros literários

- Criar ambientes de leitura

- Multiplicar oportunidades de descoberta

Aidan Chambers

Enfoque na experiência pessoal do leitor e na construção de significados

- Promover a leitura compartilhada

- Estimular o diálogo e a negociação de sentidos

- Criar referências comuns

Sarah Hirschman

Democratização do acesso à literatura e diálogo crítico

- Organizar leituras e debates

- Utilizar perguntas abertas para estimular a participação

- Conectar contos à vida pessoal dos leitores

A mediação como uma prática enfatiza, portanto, a diversidade literária e a criação de ambientes de leitura. Além disso, ela foca na experiência pessoal do leitor e na construção coletiva de significados e visa democratizar o acesso à literatura por meio de leituras e debates que conectem a vida dos participantes. Assim, a mediação da leitura literária é uma atividade que valoriza a interação social, a reflexão crítica e o desenvolvimento do gosto pela literatura, contribuindo para a formação de leitores mais engajados e conscientes de suas experiências e contextos.

A partir do que foi dito até aqui, entende-se que a leitura ajuda o homem a incorporar as competências necessárias para a sobrevivência social. Sendo assim, as bibliotecas desempenham um papel fundamental na ação de amenizar a exclusão social provocada pela falta de acesso à informação.

A leitura é integrante da curadoria literária, logo, os documentos que orientam as políticas do livro, da leitura e da escrita nos âmbitos nacional, estaduais e municipais são objeto de pesquisas e estudos. O ato de ler, produzir e extrair sentidos é, por excelência, umas das primeiras tarefas de quem se propõe a assumir o ofício de curadoria literária, tanto para eventos, quanto para outras atividades, como clubes de leitura, expografias, dentre tantos outros.

2.2 SOBRE CURADORIA LITERÁRIA

É de conhecimento que a ideia de curadoria tomou conta de muitos cenários na sociedade tecnológica e fluída, mas com uma apropriação difusa do conceito de curadoria, reduzindo a sua compreensão a um recorte ou seleção de um termo, sem entender a sua própria essência de produzir apropriações da relação objeto e público imerso na obra em exposição e/ou estudo.

O conceito de curadoria é tomado como conjunto de práticas realizadas por profissionais das mais distintas áreas de conhecimento, mas com formação humanística, para selecionar, planejar e criar camadas de valor a obras e artefatos dotados de valor histórico, cultural ou científico. No ambiente institucional, como os museus e empresas, o profissional curador é demandado como um curador fixo, institucional, configurando-se como o responsável por um setor. São “cuidadores” responsáveis pela guarda de objetos e documentos e, na sua maioria, com formação oriunda da área de Ciências Humanas, Letras e Artes.

Nos estudos analisados, encontrou-se argumentos para consolidar a compreensão de que a literatura tem sido o fio condutor para que a pessoa humana explore suas emoções e sentimentos, suas descobertas e incertezas. Observou-se, ainda, que a literatura leva a entender as relações com a sociedade, com a natureza, com a tecnologia e com diferentes momentos históricos da humanidade. Lessa e Gomes (2017), ao desenvolverem o conceito de mediação sociocultural, disseram que

[...] a ação humana supõe tal mediação, uma vez que acontece a partir das interações históricas, sociais e culturais. Sob este ponto de vista, a mediação sociocultural assume um sentido antropológico, pois liga a experiência humana aos produtos da cultura, que pode ser real e/ou simbólico. Para que haja a representação de tais produtos, seja real ou simbólico, torna-se necessário o reconhecimento e a ocupação dos sujeitos no espaço social (Lessa; Gomes, 2017, p. 38).

Portanto, a leitura como uma representação da experiência humana é o instrumento que amplia nossos horizontes, promove o conhecimento e, dessa forma, abre caminho para a cidadania e inserção cultura. Se a concepção de curadoria tem se ampliado em decorrência do avanço das tecnologias digitais e de uma sociedade cada vez mais volátil, a especificidade de curadoria no contexto dos eventos literários ainda é de pouca ou crassa referência, bem como o domínio da concepção do programa dos eventos denominados como feiras, festas literárias. Para Figueiredo (2024, p. 17),

[...] a curadoria, é também a criação e produção de conhecimento, mas requer um trabalho de seleção e organização, fazendo com que a pessoa - que já se posicione como curador ou não- exercite a de sua capacidade de sintetizar e transformar um produto, um objeto em outro forma acessível de interação do público com a cultura. O trabalho curatorial consiste em identificar e revelar-essas articulações, tendo sempre um caráter experimental.

A curadoria literária é o ponto de culminância do escritor, da obra e do público, é baseada em escolhas referentes ao contexto cultural do próprio curador. Esse movimento experiencial enquadrado na tríade escritor/obra/público busca produzir uma abordagem atual da produção literária enquanto criação de um programa literário, ou até mesmo como exposição artística. O ofício da curadoria é, pois, o de atualizar um pensamento a partir de um objeto cultural que converge para a constante possibilidade de geração de conhecimentos. Isso se dá por movimentos dialógicos, não sendo apenas um ato de escolha pessoal, mas de pesquisa e planejamento do objeto a ser ofertado ao público, na produção de sentidos.

3 REDE COLABORATIVA DE FEIRAS E FESTAS LITERÁRIAS DA BAHIA

Os eventos literários popularizam o objeto livro, pois divulgam escritores e favorecem a interação destes com o público (Vargas, 2015). Para além da realização desses eventos, a função social da literatura está na propulsão da formação da consciência histórica e na promoção da humanização (Candido, 1995).

É notório que eventos culturais em municípios de pequeno ou médio porte impactam na geração de renda e economia local. Esses movimentos, no formato de feiras ou festas literárias, por perdurarem um tempo maior do que um espetáculo ou shows, podem ser tomados como um vetor de dinamização da cultura e de promoção da educação literária. Essa temporalidade permite ainda a ocorrência de programação mais fluída, atendendo um público intergeracional, desde crianças a idosos. Nesses eventos estão presentes personalidades e convidados com pertencimentos coletivos, etnias, raças e gênero, conferindo diversidade da produção autoral.

Eventos literários no formato de feiras e festas literárias são um produto de referência no cenário brasileiro. Em 1955, com o objetivo de popularizar o livro tal qual o formato de feira literária que se tem atualmente, aconteceu a primeira Feira do Livro de Porto Alegre, considerado, portanto, o mais antigo evento literário do Brasil. No ano seguinte, 1956, o evento incluiu a sessão de autógrafos, com Erico Veríssimo, o que configurou as feiras literárias como o marco na interação entre os escritores e o público leitor (Galvani, 2004).

Com formato de programação literária, com tema e escritor homenageado, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), cuja primeira edição ocorreu no ano de 2003, apresentou um formato que oportunizou conceber a organização do evento como programação principal, centrada na obra literária e em seu fluxo de formação leitora (Gaspar, 2014). Importa destacar que, como eventos literários, as feiras literárias e as bienais do livro apresentam como objetivo principal fomentar o livro e a leitura. O formato de feiras literárias foca na celebração da literatura como uma expressão cultural e na discussão de temas literários em um contexto mais comunitário e reflexivo. Já o formato de bienal do livro1 é mais voltado para o mercado e para a promoção de livros.

Na Bahia, a experiência pioneira foi a Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), com a primeira edição no ano de 2012. O evento adotou experiências similares a de Paraty-RJ, contudo, favoreceu o reconhecimento da Bahia como um grande palco literário. Quatro anos após, em 2016, eventos literários foram descentralizados da Capital da Bahia para o interior do Estado. A Feira Literária de Mucugê (Fligê) foi o extrato que descolou a popularização de outras iniciativas em municípios circunvizinhos e de outros territórios de identidade, desencadeando, por mobilização espontânea de curadores e produtores culturais presentes, o primeiro encontro da Rede Colaborativa de Feiras e Festas Literárias. Até o ano de 2018, os encontros ocorreram com a presença apenas de público presente no evento, contudo, na edição da Fligê do ano de 2018, gestores culturais do estado da Bahia e da Fundação Pedro Calmon, dedicaram-se a apoiar a iniciativa, a fim de escuta e prospecção de apoio para a área de literatura.

Em 2019, foi convocada oficialmente a quarta reunião de organização da festa, considerando as já realizadas, com a seguinte pauta:

4ª REUNIÃO DA REDE COLABORATIVA DE FESTAS E FEIRAS LITERÁRIAS DA BAHIA

Data, período, local: 16 de outubro de 2019, das 14h30 às 16h, Fundação Pedro Calmon

Pauta: Elaboração do Documento Basilar da Rede

[....]

Realizada na Fundação Pedro Calmon contou com o Grupo de Trabalho designado na última reunião para elaboração do Documento Basilar para lançamento da Rede. A reunião foi iniciada com a fala do Diretor Geral da FPC, que trouxe uma proposta de documento lida em voz alta por Bárbara Falcón. Após a leitura da proposta foram feitas por todos os presentes sugestões de inclusões e exclusões de pontos consensuados.

Ficou acordado: Compartilhar o Documento Basilar elaborado pelo GT, além do PELL e do Mapeamento atualizado na reunião já com 02 inclusões. O lançamento da Rede será na Abertura do FLIN, em 12 de novembro de 2019, com as possíveis presenças dxs Secretárixs Jerônimo Rodrigues e Arany Santana (Bahia, 2019).

A Rede colaborativa de feiras e festas literárias da Bahia, de recente existência, tem impactado o deslocamento dos eventos literários do eixo capital e recôncavo baiano para o interior. No período de 2016 - 2023, gestores da política do livro e da leitura no estado da Bahia foram mobilizados a conceber e implementar programas para suportar a realização desse tipo de evento.

A Rede realiza anualmente, desde 2022, encontro presencial em um dos municípios baianos que promove feiras ou festa literária, sob a coordenação da Fundação Pedro Calmon, da Diretoria do Livro, Leitura e Bibliotecas do estado da Bahia.

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No Edital 01/20242, da Fundação Pedro Calmon, órgão do estado da Bahia, o conceito de eventos literários abrange:

a) Feiras Literárias: são os eventos que têm atuação local e, em geral, adotam uma configuração com eventos dentro do evento (palestras com escritores, com pesquisadores e especialistas em leitura, lançamentos de livros, momentos de autógrafos, performances artísticas, música, dança, minicursos para diferentes públicos etc.) que extrapolam a função mercadológica e ganham ares de um evento cultural.

b) Festas e Festivais: na mesma perspectiva das Feiras Literárias, os eventos autodenominados de festa e/ou de festival literários atendem à característica cultural, ampliando as ações e envolvendo os aspectos culturais local e regional, cujo objetivo é contribuir com a formação cultural da população, com foco no estímulo à leitura e à formação do leitor e, eventualmente, à conquista de novos públicos consumidores desses segmentos (Bahia, 2024a).

Segundo Gerlin e Simeão (2018), em seu estudo intitulado “Modelo de rede colaborativa baseado nas competências em informação e narrativa”, uma rede constituída por sujeitos que buscam unificar um pertencimento social, precisa atuar como um sistema:

O sujeito deve estar no centro das ações de uma rede social voltada para a narrativa oral, dessa maneira, narradores juntamente com colaboradores e público em geral assumem uma excessiva importância nessas estruturas de comunicação na sociedade da informação. Nesses moldes, um processo de observação desenvolvido com os contadores de histórias, minimamente deve ser conduzido de forma a considerar a importância de atores sociais que tecem suas redes sobre a prática narrativa (Gerlin; Simeão, 2018, p. 178).

Em estudo de Figueiredo (2024) encontra-se a concepção de curadoria literária que se adequa às modalidades de feiras e festas. Para Figueiredo, a pesquisa literária deve considerar o tema e/ou autor homenageado, o tema orientador do programa principal, o diálogo da literatura com outras artes e a opção de homenagem a um autor, expressão do tema recortado para a exploração na grade de programação do evento. A seguir, delineia-se a trajetória metodológica para realização deste estudo.

4 CAMINHOS METODOLÓGICOS

A pesquisa em tela buscou reunir informações acerca das experiências de realização de eventos literários no Estado da Bahia, no período de 2016 a 2023, denominados como feiras, festas ou festivais. Para tanto, como já informado na introdução, assentou-se na metodologia exploratória, uma vez que buscou clarificar o conceito de curadoria literária sob o viés da biblioteconomia, vertente pouco explorada.

A pesquisa buscou atingir os seguintes objetivos específicos:

a) expor mapeamento de programas de leitura e literatura cotejando as informações com as metas e ações do Plano da Leitura do estado da Bahia (2016 – 2023);

b) indicar as circunstâncias de realização de eventos literários e sua formulação como integrador ou não dos serviços bibliotecários do município, quando houver;

c) sugerir formatos de curadoria literária no contexto dos serviços da biblioteconomia, para atender e qualificar a rede colaborativa de feiras e festas literárias do estado da Bahia.

No contexto da apresentação dos dados, a pesquisa é caracterizada como descritiva, com abordagem qualitativa para o desenvolvimento da análise e interpretação do objeto de estudo em questão, objetivando confirmar as hipóteses construídas ao longo da fundamentação teórica deste trabalho. De acordo com as fontes utilizadas, pode ainda ser compreendida como pesquisa documental, posto que se buscou documentos salvaguardados pela Fundação Pedro Calmon3, a saber, relatórios da pesquisa realizada pela Ouvidoria da Educação do estado da Bahia.

Como técnica de coleta priorizou-se a observação assistemática, ou espontânea e informal, do tipo participante, com envolvimento real das pesquisadoras com o fenômeno estudado (Marconi; Lakatos, 2021). A participação ocorreu a partir da imersão em três eventos literários, denominados como feira e realizados nos municípios baianos de Canudos, Cachoeira e Mucugê, no ano de 2023. A experiência corroborou para espelhar o conhecimento da atuação desses colaboradores na constante necessidade de profissionalização em literatura, cultura e educação. Utilizou-se ainda o questionário, enviado a uma amostra aleatória de curadores de feiras e festas literárias com perfis heterogêneos. Em alguns casos, foi necessário o diálogo individual com os seis colaboradores deste estudo, a partir de questionários específicos. O questionário, com questões abertas, criado com o Google Forms, foi encaminhado no período de março a abril de 2024, sendo antecedido das tratativas para concordância dos termos de participação (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e preservação de anonimato dos colaboradores no tratamento e interpretação dos dados do estudo. O instrumento continha as seguintes perguntas:

1) Identificação

2) Como criou e ou selecionou tema e escritor homenageado? E por quê?

3) Como perspectivou as interrelações da literatura com outras artes, se for o propósito?

4) Como concebeu o papel do curador e seu trabalho no planejamento de um evento como feiras e/ou festas literárias?

Ressalta-se que, para este trabalho, foram realizadas extrações de ações que corroboram para a representação social da literatura com o público participante dos eventos, além da concepção de gestão de conhecimento absorvida pelos gestores públicos e/ou curadores responsáveis pelos eventos integrantes da Rede colaborativa de eventos literários, coletivos que agregam fazedores e curadores de cultura e literatura.

4.1 APRESENTAÇÃO DOS DADOS

No movimento interpretativo, reuniu-se o questionário de avaliação, aplicado sob anonimato por um técnico da Ouvidoria da Educação do estado da Bahia e solicitado formalmente para apreciação e composição deste estudo. Da solicitação, formulada em setembro de 2023, recebemos vinte e cinco (25) relatórios dos municípios (Quadro 2).

ANO

MUNICÍPIO

EVENTO LITERÁRIO

2012

Cachoeira

FLICA- Festa Literária Internacional de Cachoeira

2015

Jequié

FELISQUIÈ - Festa Internacional do sertão de Rio de Contas

2016

Mucugê

FLIGÊ - Feira Literária de Mucugê/Chapada Diamantina

Salvador

FLIPELÔ - Festa Internacional do Pelourinho

2018

Canudos

FLICAN

Nova Soure

Paiaiá

Palmeiras

FLIPA

2022

Cabaceiras do Paraguaçu

FLIPAR

Irecê

FLIRECÊ

Lençóis

Filençóis

Uauá

FLIU

Castro Alves

Festa do Poeta

2023

Amélia Rodrigues

Flamar

Antônio Cardoso

FLIAC

Capela de Alto Alegre

FLICAP

Carinhanha

FLICARI

Rio de Contas

FLIARC

Rio Real

Feira Literária de Rio Real

Serrinha

FELIS

Vitória da Conquista

FliConquista

2023

Ibotirama

FLIBOT

O questionário de avaliação aplicado ao público dos eventos literários foi uniforme para todos os municípios e direcionou as informações para os seguintes indicadores:

1. Público atingido: informação sobre o total de questionários aplicados, sexo dos participantes, faixa etária.

2. Recorte racial e profissão do público: informação sobre autodeclaração raça, etnia.

3. Participação no evento: informação sobre veículo de divulgação, conhecimento do evento (escolas, rede social, amigos, TV, rádio) e recorrência ou não de participação em outros eventos literários.

4. Programação do evento: avaliação dos participantes sobre o conteúdo da programação (Excelente/Bom/Ruim) e ampliação e apropriação de conhecimentos demandados pelo evento.

5. Avaliação geral: nível de satisfação do público de acordo número de questionários aplicados (Figura 2).

6. Críticas, elogios e sugestões: apreciação sobre organização do evento, infraestrutura, atendimento ao público.

No Quadro 3, destaca-se a análise dos dados expressos nos relatórios em relação aos indicadores:

INDICADOR

COTEJO GERAL

EXTRATO DOS EVENTOS

1

Média de 47 questionários aplicados ( menor 22 – maior 68) , predomínio da idade de (27 – 48) e mulheres.

71 pessoas responderam à pesquisa, com idade entre 12 e 62 anos. Faixa etária com maior participação, 16 anos.62% mulheres, 36,6% homens e 1,4% não informado.

2

Predomínio de pardos e pretos.

40,8% das pessoas entrevistadas se autodeclararam negras. 29,6% pardo.22,5% branco. 4,2% não quiseram ou não souberam responder e 2,8% amarelo.

3

Escolas

66,2% do público soube da feira através das escolas; 22,6% nas redes sociais; 7% com amigos e familiares; e 4,2% no local de trabalho. Do total de participantes, 36,6% já haviam participado de outras feiras literárias.

4.

Nível de satisfação superior a 80%.

94,4% dos entrevistados recomendariam o evento. Obtendo nível de satisfação nota 10, 39,4% do público total.

5

Sugestões gerais.

Mais acessibilidade para PCD

trabalhador do local é desrespeitado.

Na Figura 2, referente à pesquisa relacionada à satisfação dos participantes nos eventos literários, são apresentados dados importantes para entender a eficácia dos eventos literários e como eles podem ser aprimorados para melhor atender ao público, além de fornecer novas percepções sobre a curadoria e a gestão desses evento

4.2 SOBRE O PERFIL E PAPEL DE CURADORES (OU ORGANIZADORES) DE EVENTOS LITERÁRIOS DA REDE COLABORATIVA DE FEIRAS E FESTAS LITERÁRIAS

A partir dos vinte e um relatórios de pesquisa aplicados pela Ouvidoria de Educação do estado da Bahia, mobilizou-se entrevista com quinze curadores e curadoras. Com base nas informações cedidas, foram observados seis retornos de eventos literários no município. A fim de explorar a concepção de curadoria literária que orientou ou não a formulação do programa/evento, o formulário, identificado com o compromisso de se preservar o anonimato, continha cinco tópicos a serem considerados:

1) Identificação (nome, município, número de edições do evento)

2) Público atendido pelo evento

3) Seleção de tema e/ou autor

4) Integração da literatura com outras artes

5) Concepção/conceito papel do curador/organizador/produtor.

Das informações demandadas e extraídas das entrevistas, compõem-se os quadros descritivos 4 e 5.

INDICADOR

INDICADOR

DADO EXPRESSO

Público atingido

Intergeracional +

Jovens e adultos +/-

Maior concentração para público adulto e crianças. Pouca expressão para jovens e idosos.

Tema/autor

Composição tema autor +

Ausência -

Ausência de pesquisa literária sobre visa e obra de autor.

Integração Literatura/artes

Projetos pedagógicos

Cinema

Música

Predominância de projetos artísticos de teatro e música.

Concepção curadoria

Pesquisa literária tema/autor + Ausência

Ausência de pertencimento e profissionalização na área curatorial. Identificação como organizador do evento. Fragilidade na apropriação de ferramentas de criação e disseminação de conhecimento literário.

PROFISSIONAL

DEPOIMENTOS

INTERPRETAÇÃO

Homem, 65-70 anos, professor, educação superior

Percebo que as circunstâncias de infraestrutura e orçamento nos impedem de desenvolver um evento que prioriza a centralidade da literatura. Posso até ser um curador, mas não realizei uma feira como eu sonho. Tenho compromisso em atender crianças, jovens e adultos, mas uma programação diversificada é muito investimento, e não temos esses recursos.

Dos extratos dos discursos dos sujeitos partícipes deste estudo, há indícios de que a concepção de curadoria como um conjunto de práticas selecionadas para dotar de valor um objeto (conceito) é um oficio realizado por profissionais capacitados para criar, planejar e desenvolver os processos criativos nos seus aspectos histórico, cultural e científico.

Os depoimentos extraídos das entrevistas realizadas ressaltam a responsabilidade do curador do evento como uma assinatura autoral, que pode ser individual ou colaborativa da equipe, ressaltando que, quer de forma individual ou coletiva, as competências de selecionar, delimitar, relacionar é fundamental para se posicionar como um profissional curador.

Mulher, 50-55 anos, educação superior, assistente social

Sou mais uma produtora do que curadora, porque o que pretendo é agitar a cidade. A literatura é muito presente, mas são os shows que chama o público. Como primeira experiência, optei por atender mais a juventude e adultos e não tive condições de viabilizar a participação de crianças nas atividades.

Mulher, 50-60 anos, educação superior, professora, pós-graduação.

Literatura é ficção, criação. Só tem coerência um evento literário se extravasar e imaginar novos mundos. O público, também, é escritor de suas narrativas

Mulher, 60-70 anos, pós-graduação. Professora universitária.

A gente se envolve porque acredita que a educação e a literatura é formação humana e há poucas oportunidades para os artistas locais expressarem sua arte. Para mim, a feira tem que ter tudo: leitura, arte, música, teatro. Uma feira, mesmo! Me fiz curadora, fazendo e aprendendo a fazer!

Homem, preto, quilombola 40-45 anos, educação superior, gestor estadual.

A ideia de realizar a feira foi a de sensibilizar a população a se reconhecer no seu pertencimento racial. Somos um município com maioria da população preta e a literatura e a programação com escritores e escritoras pretas, com certeza, influenciará. Atendemos crianças e todos os públicos. Nosso tema é literatura e educação étnico-racial.

Homem, educação superior, historiador, criador de biblioteca comunitária em área rural.

Tenho mais de cem mil livros e preciso deixar um legado. Somos a maior biblioteca rural. Não sou curador, sou um homem que desejava ser bibliotecário. O que realizo é uma semana de encontro dos moradores com o livro e a leitura.

Ao apresentar esses resultados — que foram interpretados pela combinação da pesquisa exploratória, descritiva e documental, assentados na abordagem qualitativa e baseado na experiência das pesquisadoras —, depreendeu-se os sentidos do trabalho de curadoria na concepção dos curadores. Em outros momentos, elencou-se quantitativamente as experiências realizadas de eventos literários no interior da Bahia, Recôncavo e na Capital (Quadro 2).

O estudo, portanto, configura-se no escopo de uma abordagem qualitativa, observando-se a subjetividade do tema e as interpretações, conforme experiências das autoras, quanto aos procedimentos adotados. Assumiu-se uma dimensão de implicação das pesquisadoras, pois, além da relação com a biblioteconomia e, para além de trabalhos técnicos, há o envolvimento com a realização de ações culturais que mobilizam compreensões e aplicações de conhecimentos acerca de curadoria e curadoria literária. Ante os resultados expostos, espera-se que a abordagem utilizada seja tomada como um exercício de aproximação da biblioteconomia com os fazeres curatoriais, sendo o contexto da Rede colaborativa de feiras e festas literárias da Bahia um recorte que, espera-se, seja tomado como exemplo de interesse de estudos de áreas afins.

A partir das leituras e interpretação dos dados deste estudo, é possível destacar alguns pontos no que diz respeito às aproximações entre curadoria literária e mediação de leitura, na biblioteconomia:

a) o baixo nível de conhecimento referente à literatura como arte e, em especial, a necessidade de pesquisa literária de tema, obra e escritor para o planejamento e criação do enquadre curatorial do evento e seu programa principal;

b) a questão do diálogo da literatura com os espetáculos da grade de programação, na necessidade de selecionar aqueles que tematizam a obra e/ou tema e escritor em outras linguagens e expressões artísticas;

c) as reverberações e atualizações de obras clássicas ante os cenários da atualidade: escravizações, diásporas, sexualidades, racismos, dentre outros temas que a literatura toma como temas sensíveis e leitura criativa;

d) as possibilidades de trabalhos com multilinguagens.

Ao destacar as aproximações da mediação da leitura no fluxo da programação de eventos literários sob a curadoria especializada, reconhece-se que o público são estudantes, professores, escritores, artistas e outros perfis que possuem aderência ao próprio evento. Como já registrado, o público saber que poderá ter a presença do autor e do seu livro, com a possibilidade do encontro, também desperta o interesse pelo livro, pela conversa informal ou, até mesmo, pela palestra oficial do evento.

Destaca-se que essas aproximações se tornam mais visíveis quando o programa do evento articula o diálogo da literatura com outras linguagens artísticas, como o cinema, a música e as artes plásticas, potencializando o direito à educação literária e a formação leitora. Infere-se, com isso, que o conhecimento específico do campo da biblioteconomia, em seu fluxo transdisciplinar, impacta positivamente na formação do quadro de curadoria dos eventos literários, quer como pertencimento do perfil e identidade profissional, quer na valoração dos elementos estéticos que compõem o programa.

As curadorias literárias exercem um papel fundamental na escolha das obras, uma vez que são partes responsáveis pelo sucesso ou fracasso da obra. O curador é quem conquista o público da empresa curadora e este mesmo público é quem vai garantir o sucesso da obra. Os ciclos de leituras públicas são uma espécie de resenha ao vivo da obra escolhida: há um debate entre autor, mediador e crítico, com a participação e presença do público-leitor. Considerado um mecanismo de fomento das vendas de obras à margem do mercado editorial, pela via dos chamados terceiros setores, os ciclos de leituras públicas são formados por associações ou entidades sem fins lucrativos de escritores e leitores com o objetivo de promover a obra e autor, momentos oportunos para debates e saraus e, claro, de vendas ou até mesmo distribuição de livros (Oliveira, 2017, p. 164).

A curadoria como campo de atividade é, também, destacada, no extrato do discurso, como ausência, não sendo pautada como uma corresponsabilidade do profissional curador de literatura. Não encontramos a ênfase de que o ofício de curadoria é muito mais do que selecionar, mas confirmamos que se trata de uma proposição de relações do objeto com o contexto histórico no qual esse se encontra em exposição.

Curadores estabelecem, assim, conceitos e não ficam restritos a expor o já dado pelo objeto. Eles acrescentam um outro ou novo valor ao pensamento artístico fundante e já dado, pois são produtores de conhecimento que perspectiva entradas e pontos de vistas, promovendo diálogos com o público diverso. Osório (2014), orienta que o ofício de curadoria dever ser


[...] menos normativa e mais relacional e especulativa, que seja menos uma escrita sobre a obra, e mais um exercício arriscado, exploratório, tateante, argumentativo e, por que não poético, participando do processo aberto de criação de sentido, sendo assim uma escrita com as obras e através delas. O debate sobre a dimensão criativa, por que não, poética, das curadorias não deve ser reduzido ao ofuscamento das obras ou substituição de papéis (Osório, 2014, p. 133).

Por se tratar de uma atividade relativamente nova, são poucos os estudos que se dedicam a essa comunidade de curadores. Neste século, os campos de atuação têm se ampliado e requerido competências de verticalização de pesquisa e interrelação com áreas distintas de conhecimento para atender os desafios de construção de um objeto conceitual múltiplo e aberto a fluxos de construção de sentidos contextualizados na cultura, ou melhor, a culturas do público que contempla, participa, imerge nos cenários do trabalho dos curadores e curadoras.

No geral, a análise dos resultados apresentou a descrição dos eventos literários, como feiras e festas, e de como esses eventos são organizados e estruturados, evidenciando a diversidade de abordagens e temáticas que podem ser exploradas. Nessa perspectiva, revelou-se a concepção de curadoria literária apropriada pelos colaboradores do estudo, mostrando como essa prática é entendida e aplicada no contexto dos eventos literários.

Diante do exposto, sintetiza-se, a seguir, como a curadoria literária se relaciona com o campo da biblioteconomia:

1. Mediação da leitura literária: a curadoria literária é vista como um exercício de mediação da leitura. Os profissionais que ocupam essa função desempenham um papel crucial em conectar o público com as obras literárias. Isso se alinha com os objetivos da biblioteconomia, que busca promover o acesso à informação e à cultura.

2. Formação de públicos leitores: a biblioteconomia, por meio de suas práticas e serviços, visa formar e qualificar públicos leitores. A curadoria literária complementa essa missão ao organizar eventos que incentivam a leitura e a discussão de obras literárias, contribuindo para a formação de uma comunidade leitora.

3. Transdisciplinaridade: a curadoria literária se beneficia do conhecimento que a biblioteconomia oferece. A formação na área proporciona aos curadores habilidades em seleção, organização e disseminação de obras literárias, essenciais para a criação de programas curatoriais eficazes.

4. Desenvolvimento de políticas culturais: a integração dos serviços bibliotecários com a curadoria literária pode contribuir para o desenvolvimento de políticas culturais que promovam a leitura e a literatura em diferentes contextos, como em editais de fomento e iniciativas municipais.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O início de um estudo, mesmo com um roteiro formulado, direciona para extração de aspectos implícitos quando da sobreposição de elementos de natureza mais quantitativa com os indícios e afirmações (explícitas) dos colaboradores envolvidos no percurso da investigação. Desde o início da pesquisa, almejou-se explorar cenários de curadoria literária presentes em eventos e em concepções de sujeitos partícipes deste estudo e imersos na realização do que se denomina feiras, festas e festivais literários. Com os fluxos de retomadas do objeto do estudo, quando de sua busca de narrativa no e com o campo a ser interpretado, elementos foram valorados e incorporados como resultados da pesquisa, como o pertencimento profissional de curador/a de eventos literários.

Nesse aspecto, afirma-se a necessidade de qualificar esse campo profissional no interior da Rede colaborativa de feiras e festas literárias para moldar, sem um formato homogêneo, a consciência social e a formação da importância da apropriação dos conceitos e técnicas de formulação de um objeto curatorial para os projetos do tipo feiras e festas literárias. Também, pode-se destacar o acréscimo de municípios que realizaram eventos a partir do ano de 2022, o que pode aventar a possibilidades de fomento pelo Estado e das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc4.

Nos depoimentos dos curadores (alguns ainda não apropriados dessa denominação), a partir da aplicação do questionário, constatou-se a predominância da formação em educação superior, mas, na especificidade dos saberes e fazeres de curadoria literária, a fragilidade de conceber e registar no programa principal do evento a centralidade da literatura como livro aberto e personagem principal, pois cabe ao curador realizar a pesquisa de vida e obra, tema e aproximação do público. Dessa maneira, acrescenta-se que o conhecimento específico da biblioteconomia impacta positivamente na formação transdisciplinar do quadro de curadoria dos eventos literários, contribuindo para a seleção de obras e para a criação de programas que valorizam elementos estéticos e temáticos, sob o viés do conceito de mediação da leitura literária.

Como lacuna deste estudo destaca-se a necessidade de ampliar a discussão sobre aproximação entre os conceitos de curadoria literária e mediação da leitura pelo viés da biblioteconomia, reconhecendo que a curadoria literária pode enriquecer as práticas bibliotecárias e vice-versa, criando um espaço colaborativo para a promoção da leitura e literatura. Desse modo, inclui-se este tópico como projeção para pesquisas futuras.

Como leitoras e formadoras de profissionais que atuam na mediação de leitura, em espaços e unidades de informação, bem como na educação, reconhecemos a importância da constate formação e a necessidade da presença profissional de um curador no contexto de promoção do livro, da leitura e das práticas da biblioteconomia. Conclui-se, portanto, que a curadoria literária não se limita a um espaço institucional, mas envolve a aplicação de técnicas de seleção e interpretação que favorecem a interação do público com as obras, contribuindo para a valorização da literatura e a promoção de políticas culturais.

AGRADECIMENTOS

À Rede Colaborativa de Feira e Festas Literárias da Bahia.

REFERÊNCIAS

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Quadro 1 – Perspectivas sobre a mediação da leitura literária

Fonte: Farias (2022).

1

A história das bienais do livro no Brasil começou em 1951, com a realização da primeira feira do livro em São Paulo pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), na época, o evento tinha o nome de Feira Popular do Livro, sendo realizado na Praça da República em São Paulo (Scortecci, 2022).

Figura 1 – Card convite socializado nos grupos e redes sociais da Fundação Pedro Calmon (2024)

Fonte: Fundação Pedro Calmon (2024).

2

Disponível em: http://www.fpc.ba.gov.br/festasfeirasfestivaisliterarios

3

Disponível em: http://www.fpc.ba.gov.br/http://www.fpc.ba.gov.br/http://www.fpc.ba.gov.br/

Quadro 2 – Mapeamento dos eventos literários em municípios baianos

Fonte: Bahia (2024b).

Quadro 3 – Interpretação dos dados da pesquisa aplicada ao público dos eventos

Fonte: Da pesquisa (2024).

Figura 2 – Imagem das pesquisas de satisfação aplicadas

Fonte: Bahia (2024b).

Quadro 4 – Extração de informações da pesquisa de satisfação aplicada nos eventos literários

Fonte: Da pesquisa (2024).

Quadro 5 – Representação acerca de curadoria nos eventos

Fonte: Da pesquisa (2024).

4

Edital Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2023 e 2024. Edital SECULT BA/ FPC 025/2023. Edital de Apoio às Feiras e Festas Literárias no Estado da Bahia objetivou contemplar propostas de festas/feiras literárias enquanto espaços para formação de leitores, de forma a escoar a produção literária em todo o estado da Bahia, que possibilite a execução de atividades estimuladoras da leitura e da escrita, e atividades voltadas à mediação e incentivo à leitura e à escrita nos Territórios de Identidade da Bahia, como lançamentos de livros, debates, discussões e fóruns de temas afetos à área do livro e leitura. Para o edital serão contempladas dez propostas de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), cada uma, totalizando R$ 600 mil. O edital do ano de 2024, o FPC 01/2024, Edital de apoio a festas, feiras e festivais literários recebeu 506 propostas e encontra-se em análise pelas comissões julgadoras, sendo aportado recurso de 24,3 milhões do Governo, visando à realização de eventos literários, conforme legislação e os planos estaduais de cultura e educação. mais de dois milhões de reais. A meta é que sejam selecionadas 81 propostas, três por território de identidade, com valor máximo de 300 mil reais (Bahia, 2024b).