Chamada para 2026-3: Crítica e forma: métodos, práticas e controvérsias

2025-11-18

Dossiê de 2026-3: Crítica e forma: métodos, práticas e controvérsias.

Organização:

Priscila Nascimento Marques (UFRJ)

Thiago Rhys Bezerra Cass (USP).

 

Data limite para submissão de artigos: 1º de fevereiro de 2026. 

 

Forma é uma categoria tão controversa quanto incontornável na história dos estudos literários. Com seu inegável olor platônico, “forma” é um termo cujo sentido, na apta observação de Angela Leighton (2007, p. 1-2), parece ser a um só tempo autoevidente e instável. Toma-se “forma” como sinônimo de “beleza”, “harmonia”, “proporção”, “ordem”, “padrão”, “estilo”, “gênero literário” ou mesmo “simetria”, como sabem aqueles que, fora de forma, contemplam sua silhueta diante do espelho. Elusiva e evanescente, a categoria forma se converte em pressuposto disciplinar dos estudos literários a partir dos anos 1920, com sua inflexão rumo à crítica e à teorização do literário (Graff, 2007, p. 121-144). Dos formalistas russos aos desconstrucionistas franco-americanos, dos New Critics aos frankfurtianos, dos estruturalistas aos hermeneutas, correlaciona-se, ou correlacionava-se, a especificidade do literário ao meio verbal. Nessas diferentes vertentes, o ímpeto de captar aquilo que é próprio da literatura se cristalizou em conceitos que, em conjunto, constituem o repertório da teoria literária. A Escola Formal russa, por exemplo, mobilizou as ideias de literatúrnost (literariedade), a diferença entre linguagem poética e prática, e por vezes preferiu o duo material/procedimento sobre conteúdo/forma, numa tentativa de conceber a literatura enquanto um fazer específico (Matejka; Pomorska, 2002). Em comum, supõe-se uma dimensão linguística e construtiva nos textos que não se esgota em seus temas ou referentes, a demandar estratégias de leitura que enfatizam a indeterminação e a reflexividade do processo de apreensão da obra, e não a mera extração de um conteúdo proposicional (Phelan, 2020, p. xvi). Presume-se um movimento antinômico, mas complementar: a imersão no texto com vistas tanto ao encontro com a alteridade ou desfamiliaridade (linguística, caracterológica, composicional) e, reversamente, o afastamento da obra, rumo à abstração, retenção e análise de suas interrelações. Associa-se, ou associava-se, o ofício da crítica e da pedagogia literárias à atenção, nas palavras de Fredric V. Bogel (2013, p. 8-9), ao “poder significante da forma no caso individual”, com suas “tensões, contradições e desarmonias”. Por outro lado, é inegável que, desde os anos 1970, houve uma profunda reorientação metodológica em nossa disciplina, em direção ao “exterior ‘não-verbal’ ao qual a linguagem se refere, pelo qual é condicionada e sobre a qual age” (De Man, 1979, p. 3). Cada vez mais, toma-se o interesse pela forma como indiferença ante os condicionantes sociais, materiais e culturais de produção, recepção ou circulação das obras. Mais recentemente, no entanto, com a disseminação de cursos de creative writing, mesmo no Brasil, com sua óbvia e necessária ênfase na técnica e nos macetes do ofício da escrita, parece haver um interesse renovado por questões de forma (Parker, 2013, p. 182).  Confrontando-se com esse lugar seminal, mas em disputa, da forma nos estudos literários, a revista Terceira Margem reunirá artigos e ensaios que reflitam sobre a pertinência ou a obsolescência da categoria. Serão especialmente bem-vindas contribuições que discutam: crítica, forma e formalismo; inscrições políticas da forma; relação entre forma e práticas de leitura; história e historiografia dos múltiplos “formalismos”; teoria, história e historiografia das formas; forma e tradução; forma e ensino de literatura e de escrita criativa; forma e criação literária; forma e adaptação; forma e cânone.

 

Referências bibliográficas

BOGEL, Fredric. New Formalist Criticism: Theory and Practice. Houndmills: Palgrave, 2013.

DE MAN, Paul. Allegories of Reading: Figural Language in Rousseau, Nietzsche, Rilke, and Proust. New Haven - London: Yale University Press, 1979.

GRAFF, Gerald. Professing Literature: an Institutional History (Twentieth Anniversary Edition). Chicago - London: The University of Chicago Press, 2007.

LEIGHTON, Angela. On Form: on Poetry, Aestheticism, and the Legacy of a Word. Oxford: Oxford University Press, 2007.

MATEJKA, Ladislav; POMORSKA, Krystyna. Readings in Russian Poetics: Formalist and Structuralist Views. Cambridge: Dalkey Archive Press, 2002.

PARKER, Kelcey. “Reading Like a Writer: a Creative Writer’s Approach to New Formalism”. In: THEILE, Verena; TREDENNICK, Linda (ed.). New Formalisms and Literary Theory. Houndmills: Palgrave, 2013, p. 179-196.

PHELAN, Jon. Literature and Understanding:The Value of a Close Reading of Literary Texts. Abingdon: Routledge, 2020.

 

 

Title: Criticism and form: methods, practices, and controversies.

 

Form has been a contentious yet inescapable category in the history of literary studies. With its off-putting Platonic twang, the term “form” is simultaneously transparent and opaque, as Angela Leighton (2007, p. 1-2) astutely observes. “Form” conjures up a myriad of synonyms, such as “shape”, “beauty”, “harmony”, “proportion”, “order”, “style”, “symmetry”, and “genre”. Elusive and evanescent, “form” has informed the disciplinary paradigm of literary studies since the 1920s, when it sought to accommodate the demands and routines of criticism and theory (Graff, 2007, p. 121-144). From Russian formalists to Franco-American deconstructionists, from the New Critics to the so-called Frankfurt School, and from hermeneutics to structuralism, the relationship between the specificity of literature and its verbal medium has remained a focal point. Within these oftentimes contradictory theoretical persuasions, grasping what is distinctive about literature has sedimented into concepts that, collectively, feed into the (not-so-)common idiom of literary theorists. For instance, the Russian Formalist School articulated notions such as  literaturnost (literariness)---the difference between poetic and practical language—and not infrequently preferred the pair material and device over form and content, as part of a deliberate effort to define literature as a specific deed (Matejka; Pomorska, 2002). Broadly speaking, these various “formalisms” emphasize a linguistic and constructive dimension in texts that extends beyond themes or referents. They suggest the indeterminacy and reflexivity inherent in the process of literary cognition, which should not be reduced to the simple extraction of a propositional statement (Phelan, 2020, p. xvi). They suppose an antithetical yet complementary approach, whereby readers simultaneously submerge into the text in order to encounter linguistic, characterological, and compositional alterity, while also striving to apprehend the work as a totality, abstracting, retaining and analysing its interrelationships. One tends, or tended, to associate literary criticism and pedagogy to the attention, in Fredric V. Bogel’s formulation (2013, p. 8-9), to “the signifying power of form in the individual instance”, with its “tensions, contradictions, and disharmonies”. On the other hand, there has been a profound reorientation of our discipline since the 1970s towards a “nonverbal ‘outside’ to which language refers, by which it is conditioned and upon which it acts” (De Man, 1979, p. 3). There’s a tendency to conflate attention to form with indifference to the cultural, social, and material bearings on the production, reception, and circulation of literary works. Formal inquiries and discussions now seem to pertain exclusively to creative writing courses, where it is impossible to dislodge concerns about the craft and technique (Parker, 2013, p. 182). In light of this seminal, though contested, prominence of form in literary studies, we invite essays and articles that engage with the pertinence or the obsolescence of the category. We especially welcome contributions on the following topics: criticism, form, and formalism; political dimensions of form; form and reading practices; the histories and historiographies of various “formalisms”; theory, history, and historiography of forms; form and translation; form and creative writing; form and literary pedagogies; form and adaptation; form and the canon.

 

Bibliography

BOGEL, Fredric. New Formalist Criticism: Theory and Practice. Houndmills: Palgrave, 2013.

DE MAN, Paul. Allegories of Reading: Figural Language in Rousseau, Nietzsche, Rilke, and Proust. New Haven - London: Yale University Press, 1979.

GRAFF, Gerald. Professing Literature: an Institutional History (Twentieth Anniversary Edition). Chicago - London: The University of Chicago Press, 2007.

LEIGHTON, Angela. On Form: on Poetry, Aestheticism, and the Legacy of a Word. Oxford: Oxford University Press, 2007.

MATEJKA, Ladislav; POMORSKA, Krystyna. Readings in Russian Poetics: Formalist and Structuralist Views. Cambridge: Dalkey Archive Press, 2002.

PARKER, Kelcey. “Reading Like a Writer: a Creative Writer’s Approach to New Formalism”. In: THEILE, Verena; TREDENNICK, Linda (ed.). New Formalisms and Literary Theory. Houndmills: Palgrave, 2013, p. 179-196.

PHELAN, Jon. Literature and Understanding:The Value of a Close Reading of Literary Texts. Abingdon: Routledge, 2020.

 

 

A Revista Terceira Margem é uma publicação quadrimestral (a partir de 2019) do Programa de Pós-graduação em Letras (Ciência da Literatura) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Divulga pesquisas nas áreas de Teoria Literária, Literatura Comparada e Poética, voltadas para literaturas de língua portuguesa e línguas estrangeiras, clássicas e modernas, contemplando suas relações com filosofia, história, artes visuais, artes dramáticas, cultura popular e ciências sociais. Também se propõe a publicar resenhas críticas, para avaliação de publicações recentes. Buscando sempre novos caminhos teóricos, Terceira margem segue fiel ao título rosiano, à inspiração de um pensamento interdisciplinar, híbrido, que assinale superações de dicotomias em busca de convivências plurívocas capazes de fazer diferença.

É exigido que o autor possua o doutorado completo para submeter artigos. Serão aceitos artigos de mestrandos e doutorandos, desde que em parceria com um doutor.

Favor conferir as políticas editoriais e as Normas para apresentação de trabalhos da revista.

Para se cadastrar clique aqui.